Comunicação nas redes sociais
Comunicação Política
26-09-2022

A comunicação não é para todos

LUÍS PAULO RODRIGUES

O presidente do Município de Vila Nova de Famalicão, Mário Passos, eleito pela coligação PSD-CDS e a cumprir o seu primeiro mandato, fez uma publicação no Facebook que está a provocar-lhe uma enorme dor de cabeça.

Curiosamente, o problema do autarca não tem nada a ver com obras mal planeadas ou derrapagens financeiras em todas as grandes empreitadas camarárias, que lhe apontam na imprensa local.

A razão do descontentamento popular tem a ver com a opinião de Mário Passos sobre os efeitos mediáticos do episódio da criança de 10 anos de idade que, por alegadas questões de segurança, mesmo estando acompanhada pelo pai, no último jogo de futebol FC Famalicão-Benfica, para a sexta jornada da I Liga Portuguesa, teve de tirar a camisola benfiquista que envergava para poder assistir à partida na bancada dos adeptos famalicenses.

O caso foi muito mediatizado, chegando, inclusive, a ser tema de capa do diário desportivo “A Bola”, sob o título “Isto não é futebol”, com o Sport Lisboa e Benfica a liderar a revolta.

Em Vila Nova de Famalicão, o presidente da Câmara foi ao Facebook para censurar o que aconteceu no estádio municipal da cidade. E escreveu isto: “Infelizmente, podia ter acontecido em muitos lados, mas a verdade é que aconteceu aqui. Esta notícia é uma vergonha para a nossa comunidade. Não há outra maneira de o classificar!”

O efeito foi devastador. De imediato rebentaram as críticas mais ferozes ao autarca, gerando uma crise de comunicação sem precedentes na autarquia. Em poucas horas, a fúria saltou dos teclados de computadores e smartphones para a fachada do edifício dos Paços do Concelho, onde foram colocadas tarjas contra o presidente da Câmara, com as frases “Envergonhaste a tua cidade!”; “Representas zero o teu povo”; e “Demissão”.

Como a publicação se revelou polémico e gerou a ira de muitos famalicenses e adeptos do Futebol Clube de Famalicão, o autarca Mário Passos voltou atrás na sua mensagem e resolveu alterar o post. Que passou a ter o seguinte conteúdo: “Infelizmente, podia ter acontecido em muitos lados, mas a verdade é que aconteceu aqui. Independentemente das circunstâncias em que ocorreu este episódio, esta notícia está a correr mundo e dá uma imagem negativa e injusta do concelho e do nosso Famalicão.”

De nada valeu para estancar a crise de comunicação. O mal estava feito e as alterações de publicações motivadas por más reações do público dificilmente resolvem uma crise desta natureza. O reconhecimento do erro da postagem e um pedido de desculpas pelo sucedido talvez tivessem surtido melhor efeito.

Este caso demonstra cabalmente que a comunicação não é para todos e que a comunicação nas redes sociais é extremamente complexa, exigindo um apurado conhecimento (dos públicos a que se destina e dos temas a tratar), mas também talento e muita ponderação.

Com a Internet e as redes sociais todos os cidadãos ganharam voz pública e passaram a poder comunicar com todos e para todos. Mas a comunicação obedece a técnicas específicas e implica conhecimentos multifacetados no âmbito das esferas culturais, políticas, psicológicas, sociológicas, entre outras.

O episódio de Vila Nova de Famalicão demonstra também que os políticos, apesar da ânsia natural de quererem ser editores de informação, comentando e publicando sobre tudo o que mexe, têm de ser muito criteriosos na gestão das suas redes sociais.

Deste modo, devem evitar a utilização das redes sociais para teorias e raciocínios complexos e suscetíveis de debate, dado que a turba de comentadores especializados em tudo, em que se transformou a sociedade digital, não está disponível para o contraditório, nem para conversar civiliizadamente ou debater democraticamente. O seu único propósito, muitas vezes, é impor sentenças e preconceitos reveladores de uma ignorância irritantemente atrevida.

Nas caixas de comentários de jornais e páginas das redes sociais sobre futebol essa ignorância é especialmente pública e notória. E o futebol, por ser um tema tão popular e pelas paixões que a clubite suscita, é um daqueles assuntos que os políticos não devem comentar em público, em especial aqueles que têm como função gerir e representar um território. Porque o futebol é paixão e muita irracionalidade.

Obs. - Artigo originalmente publicado no jornal Meios & Publicidade. Ver no link: https://bit.ly/3f96Rr5.
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