Internet
09-04-2016

Do Panama Papers a João Soares. A Internet continua a mudar o mundo

LUÍS PAULO RODRIGUES

A Internet está a provocar mudanças rapidíssimas e inimagináveis em todos os setores da vida privada e da vida pública dos cidadãos e no funcionamento das empresas e organizações. Por uma razão fundamental: a desmaterialização da informação transformou qualquer documento em algo que se pode movimentar e consultar em qualquer parte do mundo à velocidade de um clique ou de um toque. E essa mudança de paradigma põe os dados de toda a gente com existência legal e de todas as organizações à mercê de vazamentos, em grande ou pequena escala. O mesmo acontece com as mensagens ou imagens lançadas nas redes sociais e no espaço público digital em geral, que podem ser utilizadas por terceiros.
Ao contrário do passado, em que o volume de informação ocupava espaço físico em papel, tornando impossível, muitas vezes, a sua consulta em tempo útil, assim como a confirmação de todos os dados, com a Internet, os jornalistas que investigam casos como o Panama Papers estão agora perante milhões de documentos, mas munidos de programas informáticos adequados, que conseguem separar o trigo do joio, ou seja, conseguem separar o que interessa daquilo que não interessa, tendo em conta o objetivo de interesse público que é informar a opinião pública.
Antigamente, um escândalo poderia ser descoberto pela imprensa quando alguém, num determinado serviço, público ou privado, passasse um documento ao jornalista, normalmente em papel. Poderia ser uma carta, um relatório, uma proposta de lei, ou outro documento qualquer, no qual o jornalista tinha a prova documental para poder confrontar os visados, construir a notícia e revelar o escândalo. Com a desmaterialização da informação, esse processo desenrola-se à escala global, porque todos estamos ligados em rede, podendo envolver múltiplas organizações e múltiplos cidadãos ao mesmo tempo.
Depois dos vazamentos do Wikileaks, organização internacional fundada por Julian Assange, atualmente preso, que divulgou documentos, fotos e informações confidenciais, sobre assuntos sensíveis, de governos ou empresas, o caso dos offshores denominado Panama Papers é só mais uma descoberta do nosso tempo, que irá, certamente, mudar as práticas de gestão de muitas empresas e de muitos investidores.
No fundo, a Internet está a dar cabo de práticas más e de muitos esquemas criminosos, contribuindo, assim, para uma maior transparência nos negócios e nas relações económicas. Basta que as autoridades queiram aproveitar esta oportunidade.
Lembro que foi também a Internet que contribuiu de forma decisiva para o escândalo que envolveu a Wolkswagen, a propósito de informações falsas na ficha técnica dos automóveis sobre os níveis de emissão de gases para a atmosfera, que afetou a credibilidade e a reputação da indústria automóvel alemã. No passado, os problemas detetados nos modelos fabricados nos Estados Unidos, provavelmente, seriam resumidos a um erro da construtora de automóveis somente nos Estados Unidos. Mas a propagação do caso em ambiente digital, nomeadamente através das redes sociais, alarmou a opinião pública de outros países e trouxe o caso para o espaço mediático internacional.
Mas não é só o mundo dos negócios que está em mudança, em consequência da democratização da Internet. Na política, os efeitos provocados pela Internet já são uma realidade há muito tempo. É por isso que os governos totalitários restringem o acesso à Internet nos seus países.
Nos países democráticos, a Internet propaga a informação, o que acelera as decisões e as mudanças. João Soares, ministro da Cultura do Governo de Portugal, foi obrigado a demitir-se, depois de uma reprimenda pública do primeiro-ministro, António Costa, na sequência de um post no Facebook, onde o ministro ameaçou dois cronistas do jornal “Público”, Vasco Pulido Valente e Augusto M. Seabra, para umas “salutares bofetadas”.
Noutro tempo, João Soares ter-se-ia cruzado com os cronistas num café, ou em outro espaço público físico, faria, ou não, a sua ameaça de viva voz e cara a cara. Os cronistas escreveriam sobre o assunto no seu jornal, seriam lidos pela nata dos leitores mais cultos e informados, e a vida continuaria como antes. Mas agora, escrevendo no Facebook o que lhe ia na alma, o ministro revelou-se a todos, porque toda a gente leu, toda a gente ficou a saber, toda a gente comentou, tornando insustentável a sua permanência no cargo de ministro da Cultura.
Do escândalo dos offshores designado Panama Papers à demissão do ministro João Soares, passando pela disseminação das falsas informações sobre os níveis de gases tóxicos libertados pelos automóveis da Wolkswagen, a Internet continua a provocar estragos. Mas isso não é necessariamente mau para a Humanidade. Muito pelo contrário.
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