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02-09-2016

Jornais brasileiros republicam notícia da fuga de Pablo Escobar. Mas é publicidade

As capas desta sexta-feira, 2 de setembro, dos jornais brasileiros “Folha de São Paulo”, “Estado de São Paulo” e “Zero Hora” (este último do Estado do Rio Grande do Sul) apareceram hoje com um único tema de capa: a fuga da prisão de Pablo Escobar, o chefe do narcotráfico colombiano.

O assunto já tinha sido notícia de destaque nos jornais brasileiros em 1992, quando aconteceu na realidade, mas voltou a ser notícia hoje, 24 anos depois, desta vez numa ação publicitária da Netflix, para divulgar a nova temporada de “Narcos“, uma série sobre o narcotráfico colombiano que estreia hoje.

A “Folha de S. Paulo”, por cima do seu cabeçalho, dá conta de que estamos em presença de um “informe publicitário”, enquanto o “Estado de São Paulo”, de forma mais discreta, avisa o leitor que está perante uma “capa promocional”.

Embora seja claro que estamos perante anúncios publicitários, a verdade é que não deixa de ser uma situação em que a publicidade se aproveita do jornalismo para se mostrar aos leitores de forma mais fácil, enquanto o jornalismo fica escondido no interior do jornal, atrás da publicidade, ainda que o jornal tenha uma capa própria, que se transforma na página três. Por outro lado, a publicidade valoriza-se recorrendo a géneros jornalísticos.

Este caso configura também um anúncio publicitário que, afinal, não é publicidade, entrando na esfera do marketing de conteúdo. Aliás, os próprios jornais escolhidos pelo anunciante colaboraram na operação de marketing, escrevendo textos sobre a fuga de Pablo Escobar e o seu declínio, que é o tema das segunda temporada de "Narcos”. Enquanto que a “Folha de São Paulo” refez a sua reportagem original sobre o traficante, o “Estado de São Paulo”, conhecido por “Estadão”, publicou um texto novo.

Recorrer a acontecimentos reais para produzir uma capa falsa num jornal impresso, ou numa revista impressa, é uma estratégia que visa dar ao anúncio publicitário uma credibilidade que só um conteúdo jornalístico lhe pode conferir. E os meios de comunicação, com dificuldades cada vez maiores na realização de receitas, estão disponíveis para vender todos os espaços disponíveis. O que, aos olhos dos leitores, relativiza o produto jornalístico.

Esta situação é mais um exemplo dos avanços que os interesses particulares de natureza económica registaram no espaço público mediático ao longo do século XX, e que perduram até hoje. Escrevo sobre este assunto no meu livro “Comunicação – Riscos & Oportunidades”, que estará nas principais livrarias portuguesas neste mês de setembro. Onde sublinho que, “na sociedade de massas em que vivemos, o poder dos meios de comunicação sobre as nossas vidas cruza-se no espaço público mediático com o poder das marcas, das empresas, dos governos, enfim, de todas as organizações com meios de comunicação à sua disposição e com capacidade de geração e difusão de mensagens que sejam eficazes para os seus propósitos”.

No caso das capas falsas dos jornais impressos, é o trabalho jornalístico e a informação de interesse público que saem desvalorizados, uma vez que o espaço mais importante do canal de comunicação com os leitores é tomado pela publicidade paga.

Obs. Mais informações sobre a série "Narcos" aqui: goo.gl/OFZz9g.
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