Perguntas & Respostas
23-06-2016

Rui Calafate. “Cortar nos investimentos em comunicação é um erro crasso”

LUÍS PAULO RODRIGUES

“Os orçamentos de comunicação devem ser aumentados e não reduzidos”, afirma o ex-jornalista e consultor de comunicação Rui Calafate, em entrevista ao blogue COMUNICAÇÃO INTEGRADA.
Numa altura em que o preço mais baixo está transformado num item que os gestores de empresas e organizações mais valorizam na hora de contratar serviços de comunicação, Rui Calafate recomenda justamente o contrário e explica as razões.
A comunicação e a política atravessam esta entrevista com o consultor, que, em meados na década de 1990, começou como jornalista no extinto jornal “Semanário”, foi fundador e diretor da revista “Política Moderna” e abraçou a comunicação política com Pedro Santana Lopes, na presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Atualmente, dirige a Special One Comunicação.
Rui Calafate escreve diariamente no Facebook para mais de 7500 pessoas, confessando-se entusiasta das redes sociais, que considera meios “excelentes para comunicar”.
Crítico dos programadores televisivos – “as televisões balizaram a oferta pela mediocridade” –, concorda com a cooperação política entre Belém e São Bento e lança um alerta ao Governo de António Costa: “Tem muitos ex-jornalistas, mas tem poucos especialistas em comunicação”.

COMUNICAÇÃO INTEGRADA (CI) – Os problemas de Portugal devem-se aos políticos, aos jornalistas ou aos portugueses?
RUI CALAFATE (RC) – Portugal sempre foi pobre em elites e é mal governado sistemicamente desde que morreu D. João II. Depois, no século XX, tivemos uma oportunidade com a colossal entrada de dinheiros da União Europeia para traçarmos com alguma segurança o nosso modelo de desenvolvimento para o futuro. O problema é que quem nos governava, Cavaco Silva, era um saloio sem mundo, um contabilista que se achava um gestor. E desbaratou esse novo ouro do Brasil em auto-estradas, optando por matar indústria, pescas, agricultura. Em vez de ter semeado novos caminhos, deixou-nos como herança o cavaquismo. Pessoas que ninguém sabia quem eram, de repente, ficaram milionárias, à custa do Estado, de todos nós. A única responsabilidade que os jornalistas e os portugueses têm é o silêncio de nunca se terem revoltado.

CI – As redes sociais são um bom megafone para quem quer passar uma mensagem ou há canais melhores para comunicar?
RC – São excelentes canais para comunicar. O seu alcance é cada vez maior, mas não podemos esquecer a notoriedade que tem a televisão, porque chega a mais pessoas, assim como a reputação que ainda aporta uma boa notícia na imprensa. O mais eficaz é a conjugação, com um bom planeamento estratégico, das valências da comunicação offline com a comunicação online.

CI – Prefere trabalhar como consultor de comunicação política ou de comunicação empresarial? Porquê?
RC – Eu gosto é de ser consultor de comunicação. Depois, a minha vida enriquece-se, a experiência aumenta, com diversos tipos de trabalho. A comunicação política é a que dá mais notoriedade a um consultor de comunicação, mas pode ter o horizonte limitado pela duração de uma campanha. Na comunicação empresarial podemos com o tempo sustentar as nossas opções. Mas dá-me tanto gozo ganhar eleições municipais como promover boas empresas, vê-las crescer e sabermos que trouxemos valor a essas marcas com o nosso trabalho. Porque o trabalho de um consultor de comunicação é valorizar a pessoa, empresa, marca ou instituição com quem trabalhamos. Daí que enfrentar uma crise na empresa começando por cortar nos investimentos em comunicação e marketing seja um erro crasso de muitos decisores. Porque cortar na comunicação é desvalorizar a empresa e as suas marcas.

CI – Ainda vai ao quiosque comprar jornais e revistas. A imprensa tem futuro?
RC – Vou. Gosto de papel. A minha vida de jornalista foi passada na imprensa. Deixei de ser jornalista em 2001, mas tenho a mesma paixão pelos jornais e revistas que tinha. A imprensa vai continuar a existir sempre, o seu formato é que pode passar mais pelo digital, sobretudo nas próximas gerações. Mas uma sociedade livre precisa de uma imprensa forte. Pobre a sociedade e o País que têm uma imprensa submissa e cúmplice dos poderes instalados.

CI – A concorrência entre televisões, com a abertura de novos canais, não diversificou a oferta nem melhorou a qualidade. Como vê a televisão em Portugal?
RC – Ao contrário de jornais e revistas que compro, e pelos quais tenho uma ligação forte, não só portugueses, pois, para mim, essenciais são o “El Pais” e a “Economist” (era também a “Veja”, mas tem perdido qualidade), eu vejo pouca televisão portuguesa. Nos canais generalistas a qualidade é má e balizaram a sua oferta pela mediocridade. A RTP tentou marcar a diferença com a aposta em séries portuguesas, uma boa aposta, a meu ver, mas a qualidade das mesmas está ainda em construção e as audiências são más. No cabo, tudo igual. Portanto, concordo que há mais canais mas a oferta é igual só mudam os cromos, e é medíocre em termos de qualidade. Há desporto a mais nos canais de notícias do cabo e há um erro crasso, um paradoxo estúpido dos programadores e decisores: a política e os políticos estão mal vistos pelas pessoas, no entanto, a maior parte dos painéis de comentário é constituída por políticos, muitos deles, pior ainda, de terceira linha, que nunca leram um livro na vida, são incultos, nada têm para dizer para lá do que leram no jornal da manhã e que mal percebem. Quem constrói as grelhas e comentadores, generalistas e cabo, está prisioneiro do politicamente correto, tem medo de inovar e opta pelo fácil, está refém dos interesses instalados.

CI – Cada marca tem o seu jornal, a sua revista ou o seu portal de conteúdos. O marketing e o jornalismo tendem a fundir-se?
RC – Não. Um jornal de marca não tem a credibilidade e a independência de um produto jornalístico. O marketing precisa que o jornalismo promova e divulgue as suas acções através de uma boa política de comunicação, isso é que validará a reputação das suas marcas.

CI – Como vê o jornalismo dentro de 10 anos?
RC – Tenho algumas dúvidas, sinceramente. Eu tive a sorte de ter jornalistas seniores a ensinarem-me quando dei os primeiros passos numa redação, já lá vão 21 anos. Pela crise que a indústria das notícias atravessa, foram várias as administrações que despediram uma série de grandes jornalistas para baixar custos. Ora, isso tirou cabelos brancos, experiência e qualidade às diversas redações. Essa maturidade é muito importante na construção de bons conteúdos jornalísticos. Não quer dizer que não haja novos talentos no jornalismo português, há e bastantes. Mas gostava que eles estivessem enquadrados pelos cabelos brancos, que lhes transmitissem mais densidade na busca das notícias. Depois, gostava que houvesse jornais, televisões e rádios num momento pujante, que pagassem bons salários e dessem condições de trabalho para se exigir um bom jornalismo. O problema é que os empresários do setor estão em crise e em queda acentuada de audiências. E é isso que me deixa dúvidas para os próximos 10 anos.

CI – Sempre foi um crítico de António Costa na Câmara de Lisboa. E sobre o Governo do PS apoiado pelos esquerdas, o que é que pensa?
RC – Eu tenho uma boa relação pessoal com António Costa. Não acho que tenha sido um grande presidente da Câmara de Lisboa, mas também o escrevi que é um político hábil e extremamente talentoso, especialista na arte dos compromissos. E a política é compromisso. Só ele conseguiria ligar PS, PCP e BE. E teve o mérito de criar e surpreender com este acordo. Mas é esta Santíssima Trindade das esquerdas que também o pode manietar e o Governo não pode estar refém de caprichos e da agenda de partidos minoritários.

CI – Como vê a concertação política entre o Presidente Marcelo e e o primeiro-ministro António Costa?
RC – Para já é boa e ainda bem que acontece. Não deve haver colisão entre Belém e São Bento na ação governativa diária. E Costa, que sabe muito bem gerir a sua comunicação, jogou bem ao colar-se à popularidade de Marcelo.

CI – O Governo vai durar até quando?
RC – Pode durar pouco se cada partido se preocupar com a sua própria vida política e a sua agenda, pode durar mais se perceberem que governar Portugal é abdicar dos caprichos das suas agendas. E, depois, o mais importante, vamos ver como vai ser a situação económica, como vai acabar o Brexit, que exigências serão impostas por Bruxelas. Este Governo voltou a colocar a política no centro da discussão – e isso é bom – mas o excel tem muita força.

CI – O que mudaria na comunicação de António Costa e do Governo?
RC – António Costa sempre teve boa imprensa e entende bem os mecanismos da comunicação política. Está a tentar melhorar a sua presença nas redes sociais, que era amadora e insípida, o que é positivo, pois em 2016 as pessoas estão nas redes sociais, veem por esta via muitas notícias, seguem, gostam e dão mais importância a algumas pessoas que escrevem ali do que à maior parte dos comentadores em televisão e jornais. Sim, hoje há opinion-leaders com mais relevância nas redes do que na imprensa e na televisão. E Costa tem ainda outro problema: é a comunicação de cada um dos membros do Governo. Onde, para lá de alguns ministros serem fracos e neófitos em questões de comunicação política, o que em alguns momentos vai dar problema, como aliás já aconteceu, os seus assessores, na sua maioria, nunca tinham trabalhado antes em comunicação. É que não basta ir a uma redação buscar um jornalista que vira assessor. Nem todos os jornalistas dão bons consultores/assessores de comunicação, tal como nem todos os consultores de comunicação dão bons jornalistas. Ora, a comunicação não é jornalismo. Trabalhamos na mesma área, mas cada valência tem a sua especificidade e, neste Governo, há muitos ex-jornalistas e poucos assessores especialistas em comunicação. Talvez António Costa, que percebe destas coisas que eu acabo de dizer, deva recorrer, para determinados ministérios, a agências de comunicação e consultores profissionais que garantam a experiência que esses ministros e suas equipas não têm.

CI – Marcelo fala demais e envolve-se demasiado com os portugueses ou deveria ser mais contido, mais distante?
RC – Marcelo é isto que vemos todos os dias. Só é surpresa para quem não o conhece. É importante a mudança de paradigma de uma presidência figura de cera como a de Cavaco, para uma mais popular e de maior proximidade como a de Marcelo. Esta mudança é óptima, mas não deve exagerar. Deve poupar 200 selfies que tira por dia para uma hora de silêncio. Marcelo tem de perceber que é Presidente e não comentador. Ele é um centro de poder e não apenas de sorrisos.

CI – O futuro político de Pedro Santana Lopes passa pela Câmara de Lisboa ou pela Presidência da República?
RC – Passa por continuar o excelente trabalho que está a realizar como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

CI – Qual o principal desafio que hoje se coloca a comunicadores, assessores de comunicação e marketeers?
RC – O maior desafio é criarmos na cabeça dos decisores, em diversas áreas, uma relação de dependência deles com o nosso trabalho. Os bons consultores de comunicação são os melhores conselheiros desses mesmos decisores. O trabalho de um consultor de comunicação soma, multiplica, não divide nem diminui. O nosso trabalho apoia, ajuda, sustenta e, sobretudo, valoriza o trabalho realizado. Exponencia a notoriedade e robustece a reputação de pessoas, marcas, empresas e instituições. Por isso, o nosso caminho é mostrar que os orçamentos de comunicação e marketing devem ser aumentados e não reduzidos ao primeiro espirro de uma possível crise.
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