José Paulo Fafe _ Fotografia Miguel Baltazar / Jornal de Negócios
Comunicação Política
05-03-2019

José Paulo Fafe. “Não podemos preparar uma campanha em cima do joelho”

Ex-jornalista e consultor de marketing político, José Paulo Fafe tem mundo. Com 14 anos conheceu Fidel Castro, uma vez que o seu pai era embaixador de Portugal em Havana. E ficou fascinado com o líder cubano. Em 2017 lançou o livro “Marketing Político – Noções e outras histórias”, onde conta as suas experiências como marqueteiro político em Portugal, no Brasil e em África.

Inspirado por Duda Mendonça (com quem trabalhou), um mago do marketing político brasileiro, que em 2002 transformou o sindicalista Lula da Silva em Presidente do Brasil, José Paulo Fafe não tem saudades do jornalismo. Gosta de escrever, mas combate o vício da escrita nas redes sociais.

As frases com as suas ideias mais perenes sobre comunicação, jornalismo e marketing político, que destaco nesta publicação, foram proferidas numa entrevista ao “Jornal de Negócios”, em 2017, a propósito do seu livro, cuja leitura recomendo.

Marketing Político - Noções e Outras Histórias _ José Paulo Fafe

“O trabalho do marketing político consiste em potenciar os pontos fortes de um candidato e atenuar os pontos fracos. Tão simples quanto isso. [Ou seja], vender a sua imagem positiva e atenuar os pontos mais débeis da sua imagem. (…) No mundo atual, é muito difícil vender aquilo que o candidato não é. Com a informação que há, é muito complicado.”

“[Um candidato] tem de ser genuíno. Quando não o é, rapidamente a opinião pública, o eleitorado, percebe que aquilo não corresponde à realidade. (…) Já tive experiências em que percebi que aquilo era completamente artificial. Mas são candidatos que hoje em dia não existem, mesmo em Portugal. Nos últimos anos, o mundo evoluiu muito como as redes sociais, não sei se é muito por isso ou só por isso, mas as pessoas têm outra perceção das coisas. Como dizem os espanhóis, as pessoas são muito mais "listas" [inteligentes, astutas], mais argutas e mais espertas no sentido de perceberem o que é genuíno.”

“Sempre gostei dos bastidores da política. Sempre tive um pé na política, embora tivesse estado no jornalismo, sou daquelas pessoas que acham que o jornalismo não é incompatível com termos um lado, nunca escondi as minhas preferências políticas. Nos meus anos como jornalista, empenhei-me politicamente algumas vezes, quando achei que o devia fazer, interrompendo a carreira de jornalista e sempre gostei dos bastidores da política e das campanhas eleitorais.”

“Desde miúdo que sempre gostei daquilo, do ambiente. Nos anos 90, comecei a interessar-me mais, a ler, a estudar. Em meados da década, comecei a ir muito ao Brasil e, por mero acaso, através de um amigo comum, conheci o Duda Mendonça. Falámos muito e comecei de alguma forma a colaborar com ele no Brasil. Ele pediu-me para fazer algumas prospeções de mercado no México, na Europa, em África. Comecei a envolver-me, a trabalhar, deixei o jornalismo e dediquei-me muito a isso. Comecei a trabalhar por minha conta em Portugal e em África, mas muito tutelado, entre aspas, e inspirado pelas coisas do Duda, que foi uma escola. Reconheço. Foi um tempo que passei e já passou, mas tive o meu tempo e aprendi muito lá. Dei-me bem com ele, fui seu sócio em Portugal numa empresa de publicidade e depois segui o meu caminho.”

“[Com Duda Mendonça] aprendi que não podemos trabalhar única e exclusivamente pelo que nós achamos. Temos de trabalhar com alguma base científica. Ou seja, não podemos preparar uma campanha em cima do joelho.”

“Gostei [de ser jornalista], mas deixei em 31 de Agosto de 1999. Achei que era um ciclo da minha vida que tinha acabado. Fui jornalista durante 21 anos e chegou um momento da minha vida em que achei que tinha feito praticamente tudo. (…) Eu gosto muito de escrever, escrevo no Facebook, escrevo num blogue e isso atenua as coisas.”

“[Hoje olho para o jornalismo] com tristeza. Eu sei que os tempos são difíceis, que há falta de meios, sei que os leitores baixaram, sei que a publicidade é um desastre, mas também sei uma coisa, falta muita imaginação. (…) E às vezes é tão fácil. Diz-se que a Internet matou o jornalismo, ok, se calhar não ajudou, mas por um lado pode ajudar. A investigação passou a ser muito mais fácil porque a Internet ajuda e embarateceu-a. Ainda tenho muita gente amiga nos jornais e às vezes não resisto, pego no telefone e digo, eh pá, façam isto, peguem nisto.”

“[As campanhas em África] foram grandes escolas. Cometi alguns erros, aprendi que não podemos exportar modelos preconcebidos, aprendi que às vezes há candidatos que não são candidatos ou são candidatos de outrem. Isto foi em São Tomé, concretamente. Aprendi, na Guiné, que, de facto, África não tem nada que ver com o resto. A lógica é completamente diferente. E quando nós, na Europa, queremos exportar o nosso modelo de democracia para África só estamos a contribuir para que África não se desenvolva. O modelo de democracia para África ainda tem de ser inventado. Não é a nossa democracia burguesa que pode ser implantada em África. Mas aprendi que uma campanha eleitoral em África é um motivo de festa. Enquanto no Brasil é um motivo de emprego, porque uma campanha no Brasil numa terra pequena é um gerador de empregados, numa terra de 60 mil habitantes está garantido, se forem três candidatos, que há 20 mil tipos com emprego para quatro meses, em África é uma festa, porque há música, há camisolas, há grupos a cantarem…”

“Gosto de eleições locais porque são mais próximas. (..) Acho que para um presidente de Câmara, para um prefeito, fazer política é mais gratificante. Nunca mais me esqueço do que o doutor Fernando Nogueira, de quem eu gosto muito, me disse uma vez: ‘Sabe uma coisa, Paulo Fafe – ele trata-me por Paulo Fafe –, eu fui 11 anos ministro e não deixo nada. Fiz umas leis… Se tivesse sido presidente de Câmara, tinha feito a ponte, o hospital, ou seja, tinha deixado obra física.’ Eu acho que é muito mais gratificante para um político ter um cargo executivo local do que um cargo executivo nacional, exceto o cargo de primeiro-ministro. E numa campanha local a resposta que temos de dar é muito mais imediata, concreta, embora lhe diga que fazer uma campanha no Brasil é aliciante e estimulante intelectualmente.”

“Hoje em dia as pessoas não gostam do ataque, acham que os políticos não têm de se atacar. O Duda repete isso à exaustão, quem bate perde. Não sei se é sempre assim, mas na generalidade não vale a pena atacar por atacar. (…) É como nas campanhas negras. Não vale tudo. Obviamente que temos de nos documentar e saber o mais que pudermos sobre o adversário, mas não tenho de utilizar tudo. Se sei que o adversário tem um caso de corrupção, obviamente devo utilizar isso, porque ele está a concorrer a um cargo que mexe com dinheiros públicos. Se o senhor tem uma opção sexual que não é tradicional, não tenho o direito de usar isso contra ele. Mais, acho que não vale a pena e que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E quando entramos nesse tipo de campanha negra não sabemos o que vem de lá. Mesmo que seja mentira.”

“A primeira vez que vi [Fidel Castro] discursar tinha 13 anos. Depois conheci-o com 14. Um tipo fascinante, um sedutor, com um carisma como eu nunca vi ninguém na vida, um tipo que falava sobre qualquer coisa, sabia tudo. Assistir a um discurso do Fidel era uma coisa do outro mundo. Lá estava o marketing político. No dia 8 de Dezembro de 1959, quando ele faz o primeiro discurso em Havana, uma multidão num hangar enorme e há uma pomba branca que vem, pousa no ombro do senhor e fica lá enquanto ele discursa. Obviamente foi um truque, mas é uma coisa extraordinária, porque a pomba branca para aquelas religiões afro-cubanas, além da paz, tem um significado especial. E aquilo era uma obviamente uma mensagem. Dizem que o marketing político deu nas vistas com aquele debate entre o Kennedy e o Nixon, mas acho que uns anos antes deu nas vistas naquele discurso do Fidel. Eu digo que sou castrista na brincadeira, politicamente não sou, embora tenha muito respeito por quem fez a revolução cubana, porque a fez convictamente, por idealismo. Depois aquilo foi empurrado para um lado. O Fidel nunca foi comunista na vida, empurraram-no para ali.”

José Paulo Fafe, ex-jornalista e consultor de marketing político, em entrevista ao "Jornal de Negócios", de 8 de junho de 2017. Link integral: goo.gl/uDzpU1.
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