Jornalismo
27-05-2013

Roberto Civita. “O leitor é o verdadeiro patrão do jornalista”

Em 2008, quando o italo-brasileiro Roberto Civita (1936-2013) completou 50 anos na editora Abril, uma edição comemorativa da “Veja” trazia uma entrevista que, na verdade, era uma colagem de discursos, palestras e depoimentos feitos a partir de 1968, resumindo o pensamento do editor sobre jornalismo e sobre o Brasil. Destaco para os leitores do blog COMUNICAÇÃO INTEGRADA a visão de Civita sobre o jornalismo e a relação dos jornalistas com seus públicos.

“Estou convencido de que a leitura é a receita mais simples para o conhecimento, a atualização permanente, o acesso ao mundo das ideias, a compreensão e a sabedoria. Ler não envolve apenas a busca de verdades eternas ou receitas universais. Ler é também diversão, entretenimento e bom humor.”

“[As revistas] são o mais seletivo, segmentado, regionalizado, brilhante, íntimo, aproveitável, portável, rasgável, eficiente, dramático, inteligente, lindo, duradouro e maravilhoso veículo de comunicação que existe.”

“A revolução iniciada por Gutenberg foi tão importante que ainda não terminou, já passados 500 anos. E, na essência, o que fazemos hoje em matéria de imprensa obedece aos mesmos propósitos que levaram o nosso patriarca a construir a sua primeira prensa: levar informação relevante (no caso dele, os ensinamentos da Bíblia) a um número maior de pessoas, por um custo mais acessível. Na Era da Informação — e apesar de tanta velocidade e diversidade — não podemos deixar de lado a fundamental importância da verdade, da honestidade, da objetividade, da solidariedade, e da “inteligência sensível”. Ou seja, daqueles princípios fundamentais que alicerçam a civilização desde os seus primórdios e sem os quais todo o resto será em vão.”

“O mundo das publicações está mudando muito rapidamente (e vai continuar mudando ainda mais rapidamente). E a Abril pretende não apenas acompanhar mas liderar essas mudanças. (…) Nossa credibilidade continua sendo nosso principal ativo. Daí a fundamental importância da rígida separação entre editorial e publicidade. É o certo a fazer, moral, ética e filosoficamente, como também (e felizmente) o que convém fazer pensando a longo prazo. É o que, afinal, transformou cada uma das nossas publicações na revista líder do seu setor. E é o que vai mantê-las nessa posição e fazê-las crescer e continuar contribuindo para o desenvolvimento do país no futuro.”

“Quanto mais reflito, e quanto mais tempo sou editor, mais me convenço de que jornalista não precisa de diploma de jornalista, mas sim de uma boa e sólida formação que começa em casa, passa pela escola básica, e pode até chegar à universidade. Um jornalista precisa de escolas, sim — escolas sem rótulos, que ensinem história, literatura, economia, ciência, filosofia, direito... o universo! Um jornalista precisa aprender a pensar, analisar, questionar, usar a cabeça. Um jornalista precisa ler muitos livros, precisa ser curioso, querer saber sempre o porquê das coisas, todas as coisas. E precisa gostar de contar o que descobre, de contar histórias. Alguém com esse perfil vai ter apenas de aprender o ofício, a técnica, o “como fazer”. Eu não apenas acredito nisso, como pratico há mais de trinta anos.”

“[Quando o senhor sabe que uma publicação está no caminho certo?] Existem muitas variáveis, mas a infalível é quando os jornalistas de uma revista acreditam que o leitor é o seu verdadeiro patrão. Quando eles trabalham unicamente para atender às necessidades desses leitores, por meio de um jornalismo sério, bem pautado, bem apurado, bem escrito, bem editado — resultando em revistas honestas, bonitas, úteis e surpreendentes.”

“[Talvez nunca a imprensa tenha sido tão mal avaliada como agora, o senhor concorda?] Imprecisão, arrogância, parcialidade (decorrente da defesa de interesses próprios em detrimento do interesse público), desprezo pela privacidade, insensibilidade, glorificação do bizarro, trivial e banal são queixas mais ou menos comuns atribuídas à imprensa em todos os tempos. Mais do que um elenco de pecados capitais da nossa imprensa, esses itens constituem um roteiro dos males a evitar, um vade-mécum do que não deve ser feito.”

“É preciso respeitar o público leitor. O público não é burro. No máximo ele é mal informado, ocupado com outras coisas, facilmente distraído, muitas vezes por culpa nossa. Os jornalistas devem conhecer melhor seu público. Temos a obrigação de entender que o processo de comunicação envolve não apenas transmitir mas também verificar o que foi captado e entendido do outro lado. E que a compreensão das notícias pelo público é parte essencial do processo. Ou seja, devemos prestar muita atenção no que nossos leitores pensam, acreditam, sentem, escrevem e dizem. Nesse contexto, vale a pena considerar a declaração de William Broyles Junior, ex-editor de Newsweek, quando disse: “Todo jornalista deveria ser entrevistado, analisado e dissecado por outros jornalistas durante certo tempo. Essa simples experiência contribuiria mais para melhorar o jornalismo do que todas as escolas de jornalismo juntas”.”

“Aos críticos, nunca é demais repetir: não criamos os fatos, não inventamos a natureza humana, não somos deuses com o poder de alterar o curso dos acontecimentos. Não podemos mudar por muito tempo a verdadeira imagem de personagens ou sufocar as naturais repercussões dos eventos. Não podemos passar as 24 horas do dia ao lado de todas as figuras importantes ou acompanhar a evolução de todos os eventos significativos e significantes; por isso, somos obrigados a selecionar e trabalhar esse material com uma lente de aumento. Nesse processo de seleção, síntese e magnificação, tornam-se mais gritantes certos traços que, de outra forma, ficariam diluídos se porventura tivéssemos o dom da omnipresença, ubiquidade e omnisciência — e nossos leitores não fizessem outra coisa que não nos ler o dia inteiro. Nosso Rui Barbosa definiu bem a necessidade da imprensa ao afirmar que ela é “a vista da nação”: “Através dela a nação acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que a ameaça.””

“Quanto mais independente do governo, maior será a contribuição da imprensa e da livre iniciativa ao desenvolvimento do País.”

Ver documento completo no site da “Veja”: http://migre.me/eKoLH
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